Filha, talvez, quando crescer, você não se lembre. Talvez eu mesma esqueça daqui há alguns anos. Mas afinal, esse é um lugar pra guardar anotadinho as coisas que marcam a sua e a nossa vida nestes seus primeiros anos, então eu resolvi contar sobre as pessoas que nos cercam.
Mas não se trata de ninguém da família ou algum amigo muito próximo. Posso dizer que este é um registro daqueles ilustres desconhecidos, capazes de deixar um pouquinho de si na gente e de nos fazer sentir “em casa” nessas redondezas.
Como o tio Reginaldo, por exemplo, o dono da barraquinha de cachorro quente na esquina do nosso edifício. Ali da esquina, sempre com um cumprimento gentil e alegre, ele tem acompanhado o seu crescimento nestes seus quase quatro anos. Tem dias que ele lhe oferece batata palha pra comer em um copinho plástico (porque você disse que não gosta de salsicha), tem dias que ele pergunta aonde você vai tão arrumada, até sobre política vocês já conversaram, numa das inúmeras manifestações que rolam aqui na vizinhança. Mas uma coisa é certa, todo dia (exceto quando tá chovendo) ele te fala oi quando você está indo pra escola e te pergunta: “mas hoje não é sábado?”. E todo dia você responde, achando graça com a inocência tão própria de uma criança, que não, hoje é dia de aula. A gente não sabe muito sobre a vida do “tio do lanche” como você o chama, exceto que ele é casado e tem duas filhas, a mais velha idêntica a você quando era criança, ele garante. Mas mesmo não sabendo quase nada sobre quem ele é, eu sei que ele ajuda a deixar o seu dia um tiquinho mais feliz.
Tem também a tia Edna, do restaurante que frequentávamos quase que diariamente antes da mamãe começar a trabalhar num concorrente (faz parte, filha). A gente ainda vai lá de vez em quando, e toda vez é a mesma coisa: você corre pra dar um abraço nela lá na balança, mostra o seu penteado, ou seu tênis novo e ela te trata como a neta que ela ainda não tem. Acredita que ela até te deu um presentinho certa vez? Eu nem me lembro como foi que aconteceu essa aproximação, mas dá pra ver o carinho que ela tem por você, e isso me enche de alegria. A gente não sabe seu sobrenome, onde ela mora nem quantos filhos tem, mas eu sei que ela também ajuda a deixar o seu dia um tiquinho mais feliz quando você a vê.
Ah, tem também a moça da padaria. Dela nem eu mesma sei o nome, falha minha de nunca ter perguntado. Mas quando a gente passa lá depois da escola, ela sempre puxa assunto com você. Um dia você disse que seu papai tava doente porque tinha comido um lanche e não podia. Pronto, até hoje ela pergunta se o seu pai ainda tá comendo o tal lanche. Na última vez você garantiu que não. Da vida dela a gente só sabe onde ela trabalha, ah, e que tem um filho quase da sua idade “mas que é mil vezes mais agitado e bagunceiro” que você, nas palavras dela. Mesmo assim, de certa forma ela faz parte do seu dia a dia e, acho que posso dizer que também deixa o seu dia mais feliz (especialmente quando te oferece uma balinha na hora de ir embora).
Num outro restaurante tem a tia Cris, que conhece você desde a barriga da mamãe e que também acompanhou, por muitos almoços de domingo, você deixar de ser bebê e virar criança. Uma vez ela me disse que seu sonho era ser mãe, e todas as vezes que a gente vai lá e eu a vejo tratando você com tanto carinho, eu torço pra que ela consiga realizar esse sonho logo. E o Val, o garçom? Venceu a sua resistência e timidez com muito jeitinho e toda vez na hora de trazer o seu suco de laranja segue um ritual: anota na comanda e faz cinco risquinhos de caneta na sua mão, que a essa altura já aguarda esticada sobre a mesa aquela “tatuagem”. Ele rabisca, você dá risada e me mostra. Toda vez. Acho que isso também deixa o seu dia um tiquinho mais feliz.
Difícil vai ser citar todos os amigos que você fez no restaurante onde a mamãe trabalha e onde almoçamos diariamente nos últimos 10 meses. Tem o Jefs (você repete tanto o nome dele que eu até esqueço que seu nome de verdade é Jeferson), que faz só pra você um suco de limão delicioso depois que descobriu que você gosta, a Rô, que vive chamando você pra ir morar com ela, porque ela tem saudade de ter uma criança em casa, o Thiago, a Juliana… A gente não sabe muito da vida deles, além dos seus primeiros nomes, mas quase todo mundo de lá tira pelo menos um sorriso seu todos os dias.
E é por isso que eu quis falar sobre essas pessoas hoje – teriam outras, mas eu me prolongaria demais. É bem provável que daqui alguns anos você não conviva mais e elas caiam no seu esquecimento, mas o que eu quero – e espero – é que você nunca esqueça como é bom apreciar a gentileza das pessoas e de ser gentil com elas também. Como é importante pra nossa vida e pro nosso sorriso a amizade, ainda que temporária, desses ilustres desconhecidos que cruzam o nosso caminho diariamente.
Que você entenda que ninguém passa pela nossa vida em vão, que todas ajudam-nos a trilhar o caminho que temos que trilhar, que cada uma dessas pessoas deixa um pouquinho delas na gente e leva um pouquinho de nós também. Sei que nem todas vão deixar algo de memorável ou até mesmo de positivo, mas acredite que até as pessoas ruins podem nos ensinar algo de bom (ainda que seja como evitar outras pessoas ruins). E essa é, de fato, uma das graças da vida, coisa que mais cedo ou mais tarde você vai descobrir.